ATROPELADA PELO TEMPO
Imagem retirada da internet
Tenho a sensação que
salto páginas do livro da minha vida...
Que corro entre multidões de rostos sem faces
como se
numa folha branca desenhasse letras sem tinta
Pintando em vão o teu rosto que
no tempo se esfuma
Sinto que procuro em cada olhar
que não encontro
o teu rosto
Reconheço-me a mim
em momentos plenos de solidão
Atropelada pelo tempo
deixando marcas no meu corpo
vincando a traços carregados
as linhas do meu livro.
Autoria e outros dados (tags, etc)
ALBANO MARTINS
Como quem
no silêncio concebe
o espaço
para um filho
- assim te vejo, assim
te quero
e louvo
e invoco
e te perfilho
Albano Martins
Pequenas coisas |
Falar do trigo e não dizer
o joio. Percorrer
em voo raso os campos
sem pousar
os pés no chão. Abrir
um fruto e sentir
no ar o cheiro
a alfazema. Pequenas coisas,
dirás, que nada
significam perante
esta outra, maior: dizer
o indizível. Ou esta:
entrar sem bússola
na floresta e não perder
o rumo. Ou essa outra, maior
que todas e cujo
nome por precaução
omites. Que é preciso,
às vezes,
não acordar o silêncio.
Albano Martins
Escrito a vermelho
Campo das Letras
1999
1ª edição
|
Autoria e outros dados (tags, etc)
A CHAMA
The Fire Eater by Connie Kleinjans
A chama que insiste
alimenta-se de palavras
e voraz ingere-as sofregamente
A brisa que sopra suavemente
é suficiente para a manter viva
Ora a torna labareda
fogo fátuo cavalgando
em asas indomáveis
inflamando os trilhos de paixão
Ora pequena réstia de luz
desvanecendo-se como se fosse
sucumbir num último suspiro...
Autoria e outros dados (tags, etc)
...
Kirstin Ilse: Fire
Fumo na ânsia de queimar
não o cigarro que devoro apressadamente
mas os meus pensamentos
queimá-los seria uma solução perfeita
Reconheço que me aborrecem
que me atormentam
o facto de os eliminar pelo fogo
não significa a sua extinção...
é mais uma tortura
uma tortura lenta
Brotam de mim espontaneamente
e assim como nascem
assassino-os mergulhando-os
num fogo ardente...
Autoria e outros dados (tags, etc)
PALAVRAS
PALAVRAS PALAVRAS PALAVRAS
PALAVRAS ATADAS, UNIDAS
COMO PEQUENOS ELOS FORMADOS
DE MÃOS DADAS SEGUEM DESVAIRADAMENTE
ROMPEM BARREIRAS INTRANSPONÍVEIS
SUGAM SONHOS SOFREGAMENTE
PALAVRAS PALAVRAS PALAVRAS
PALAVRAS TODAS EMARANHADAS NA MINHA MENTE
PALAVRAS QUE TRAGO GUARDADAS
ENFIADAS EM GAVETAS DESORDENADAS
PALAVRAS PALAVRAS PALAVRAS
PALAVRAS QUE ME FOGEM
POR ENTRE OS DEDOS
DESPERTANDO SENTIDOS ADORMECIDOS
PALAVRAS QUE ECOAM
BAILAM NOS MEUS OLHOS
ENVOLVENDO-ME DOCEMENTE
Autoria e outros dados (tags, etc)
OS CORPOS
Death and Life, 1916
Gustav Klimt
TANTOS SÃO CORPOS QUE HABITO
QUE A MINHA INSACIÁVEL MENTE
OUTRO FOI ENCONTRAR
PACIENTE
COMO UM PREDADOR
OUTRO CORPO ENFEITIÇOU
AGORA DESDOBRO-ME EM TANTOS
HOJE QUEM SOU?
COM UMA CALMA APARENTE
SURJO CLANDESTINAMENTE
NO TOPO DO MUNDO
E O RUBOR QUE NASCE
NAS MINHAS FACES INCÓGNITO
DENUNCIA-ME AOS OLHOS
DOS QUE NÃO VÊEM
SORRIO E O MEU SORRIR
É SOLITÁRIO
HABITO NUM CORPO DESENHADO
POR MIM...
SEM ROSTOS, SEM CORPOS
APENAS AS LETRAS QUE DESENHO
NESTE MUNDO APARENTE
INTERMITENTE
QUE A NEGRO RASGO
NÃO SOU CONVINCENTE O SUFICIENTE
DUVIDO DAS FIGURAS QUE INVENTEI
Autoria e outros dados (tags, etc)
O LUGAR
O lugar
o lugar que não encontro
no espaço
nem no tempo
o lugar que te reservo
no meu pensamento
o lugar que me chama
para no seu regaço dormir
dormir o sonho
Esse lugar que não existe
mas reconheço
pelas paisagens
que não pintadas
brilham de cor que me fascina
o lugar que é só meu!
Autoria e outros dados (tags, etc)
MURMURIOS
Faces by Angu Walters
Murmúrios ecoam do écran
som que escuto
silenciosamente
lamentos solitários
famintos de mim
vidas inventadas
á imagem do sonho
Nomes sem rosto
corpos sem forma
que a pouco e pouco
cubro com vestes
impregnando-os de
essências humanas...
Autoria e outros dados (tags, etc)
UM SER ESTRANHO
Max Ernst, The Robing of the Bride, 1939
u
m
ser
estranho
vive em mim
amordaçando-me o pensamento
embaraçando-me
perante o reflexo da minha imagem
neste habitáculo que lhe serve
de morada vive confinada
mirrando-lhe o corpo
confundindo-me a mente
balançando entre o real e o imaginário
conturbando o presente
Glorioso o tempo do templo
agora em cadência lenta
como uma pétala
bailando ao som da brisa
inebriada com o sabor
olhando o nada
a dança que danço solitária
A cada dia que passa
as notícias dos jornais não me surpreendem
na minha monotonia sem sintonia
surpreende-me a minha constante passivez
com que encaro o mundo
encarnando-o em mim
Autoria e outros dados (tags, etc)
A PONTE DO TEMPO
Bridge over the River in Porto by Randubnick
Atravesso a ponte do tempo
num rio de águas turvas
e entre as margens construo
casas enfeitadas de palavras
palavras esculpidas a ferro
cinzeladas a fogo
palavras que jorram
arrebatadas de mim...