LÁGRIMAS OCULTAS
Lágrimas ocultas
Se me ponho a cismar em outras eras
Em que ri e cantei, em que era q'rida,
Parece-me que foi noutras esferas,
Parece-me que foi numa outra vida...
E a minha triste boca dolorida
Que dantes tinha o rir das Primaveras,
Esbate as linhas graves e severas
E cai num abandono de esquecida!
E fico, pensativa, olhando o vago...
Toma a brandura plácida dum lago
O meu rosto de monja de marfim...
E as lágrimas que choro, branca e calma,
Ninguém as vê brotar dentro da alma!
Ninguém as vê cair dentro de mim
Florbela Espanca
Autoria e outros dados (tags, etc)
FLORBELA ESPANCA
Florbela de Alma Conceição Espanca (1894-1930) nasceu em Vila Viçosa e faleceu em Matosinhos. Estudou em Évora, onde concluiu em 1917 o curso liceal, matriculando-se na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. É por essa altura que publica as suas primeiras poesias. Tendo casado várias vezes e tendo sido em todas elas infeliz, começou a consumir estupefacientes. Só depois da sua morte é que a poetisa viria a ser conhecida do grande público, tendo contribuído para isso a publicação de Charneca em Flor (1930) pelo professor italiano Guido Batelli. Das suas obras destacam-se: Livro de Mágoas (1919), Livro de Sóror Saudade (1923), Charneca em Flor (1930), Reliquae (1931), A Máscara do Destino (1931) e Dominó Negro (contos, 1931).
Na Enciclopédia Larousse, esta poetisa é definida como «parnasiana, de intenso acento erótico feminino, sem precedentes na Literatura Portuguesa. A sua obra lírica, iniciada em 1919, com o Livro das Mágoas, antecipa em seu meio a emancipação literária da mulher».
Autoria e outros dados (tags, etc)
SER POETA
Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Áquem e de Além Dor!
É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!
É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim...
É condensar o mundo num só grito!
E é amar-te, assim, perdidamente...
É seres alma, e sangue, e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!
Florbela Espanca