ALBUM DE FAMILIA
Das lembranças mais antigas, recordo quase com exactidão o dia da minha primeira fotografia. A minha primeira fotografia que tenho memória, entenda-se.
Recordo a correria e alvoroço em que a minha mãe estava, preocupada em nos vestir as melhores roupas, as roupas domingueiras. Teria aproximadamente os meus cinco anos, por isso não seria muito pesada, pois lembro que minha mãe agarrou-me pelos braços, levantou-me sem grande esforço e sobre uma arca metálica (onde normalmente se guardavam os lençóis bordados e outro tipo de roupa) vestiu-me umas calças escuras com alças, uma camisola branca e como agasalho um bonito casaco de algodão, que me tinha sido oferecido pela minha madrinha de baptismo.
Naquele tempo a casa onde habitávamos tinha um vasto quintal e no meio do mesmo um pequeno carreiro que ligava a casa ao portão da entrada. Todo o percurso desde a entrada até junto das casas, a minha avó vivia logo ao lado, era decorado com flores, várias flores. Recordo que o cenário escolhido para tirar as fotos foi precisamente junto ás margaridas.
Tanto eu como os meus irmãos estávamos completamente brilhantes, penteados e perfumados, com a velha água-de-colónia.
Mais tarde já adolescentes, as fotografias em questão foram alvo de grande discussão familiar, mas essa é outra história. Tanto que ainda hoje fazem parte do meu albúm fotográfico, rasgadas e toscamente coladas….
Mais tarde o meu agasalho, o bonito casaco de algodão oferecido pela madrinha, foi material de costura. Eu passo a explicar. Na minha rua não existiam carros, ou outros veículos motorizados, senão algumas raras bicicletas, que atentassem á segurança das crianças. Na verdade a minha rua, não era propriamente uma rua, mas sim um grande carreiro de terra batida, em tempos idos bastante famosa. Por lá passaram D. Miguel e as suas tropas, quando em
A rua era o nosso mundo, nele brincávamos livremente. Percorria a rua toda com os meus amigos, conhecia como a palma das minhas mãos o interior de todas casas e quase sempre a minha mãe desconhecia onde eu parava. Só aparecia em casa para almoçar ou jantar quando ao longe ouvia a voz de minha mãe.
Numa dessas minhas ausências apareci em casa mas sem o meu casaco, que obviamente deixara abandonado, perdida em mirabolantes brincadeiras. Mas a minha mãe, como sempre alerta, perguntou-me pelo casaco. Após a minha confissão sobre tortura, que o casaco se encontrava em casa da minha amiga Zirinha, a filha da Ti Glória do alto, fui obrigada a recupera-lo.
Ainda sinto o rubor, o calor de embaraço nas faces do rosto, quando de mão agarrada á minha mãe, pergunto pelo casaco. Nisto aparece a Ti Glória que com palavras azedas diz nunca ter visto tal casaco. Bem resumindo a história, já o casaco estava cortado e recortado e as bonecas bem vestidas, tipo novo modelo de casaco de noite….