D. ERMELINDA
A senhora Ermelinda tinha nesta altura aproximadamente uns oitenta e poucos anos. Uma aldeã tipicamente portuguesa. Toda vestida de negro, a saia coberta pelo avental, imaculadamente limpo. O cabelo, preso por um lenço, adivinhava-se completamente branco. Sulcos traçados pelo tempo em volta de uns olhos azuis e um magnifico sorriso pintado no rosto.
Foi meu pai que quase me forçou, isto é, fez questão absoluta em me apresentar a simpática senhora.
Percebi naquele dia que ela representava para ele as raízes que não tivera, da terra que não o quis, a avó que não conheceu, a mãe cujo rosto se desvaneceu na memória de criança abandonada.
Percebi não naquele dia, mas a pouco e pouco, o porquê da revolta constante com que meu pai enfrentava o mundo. A agressividade com que pronunciava as palavras, a forma como caminhava. Quase correndo para o alcançar, nunca me cansava de o acompanhar quando ainda menina para todo o lado o seguia.
Interrogava-me, se aquele andar apressado era uma forma de fugir do passado, um passado carregado de memórias atrozes ou se corria agarrando o futuro, um futuro que desenhou firmemente, traçando a linha da sua vida.
(cont.)